O Segredo de Vivian Maier

Durante mais de 40 anos, entre o princípio da década de 50 e a de 90, a fotografia foi o maior segredo da sua vida. Fotografou obsessivamente – mais de 100 mil negativos foram encontrados – mas nunca deixou que outra pessoa entrasse no seu mundo a preto e branco.

Tantas reservas em relação à própria arte só a encontro, que eu saiba, em Franz Kafka – e mesmo assim, ao contrário de Vivian Maier, Kafka mostrava os seus escritos às pessoas mais próximas.

(Antes de morrer, Kafka deixou indicações ao seu executor testamentário para que queimasse todas as suas obras. Felizmente para nós, Max Brod não acatou estas instruções e chegou a preparar algumas para publicação. No entanto, tal como em relação a Maier, só depois de morrer o mundo tomou conhecimento da sua existência.)

 

 

Maier e a melhor amiga

Vivian Maier
Noite de Natal de 1953, Nova Iorque

 

Vivian Maier
Nova Iorque, 1954

 

Vivian Maier
Janeiro de 1953, Nova Iorque

 

Vivian Maier
Auto-retrato, 18 de Outubro de 1953, Nova Iorque

 

Vivian Maier nunca teve ninguém a quem pudesse pedir a destruição do seu espólio: viveu sempre sozinha, acompanhada da sua inseparável Rolleiflex (mais tarde uma Leica, quando mudou para a cor). A relação mais estável e duradoura da sua vida foram as três crianças da família Gensburg para quem trabalhou como baby-sitter.

Maier viveu alguns anos em Nova Iorque, mudou-se para Chicago, viajou pelo país, às vezes fora do país, fotografando sempre, sobretudo os desafortunados da vida. À medida que os anos iam passando, Maier foi tendo cada vez mais dificuldade em arranjar trabalho. Teria ficado a dormir na rua, se as crianças da família Gensburg, que a consideravam uma segunda mãe mesmo depois de se tornarem adultas, não se tivessem juntado para lhe pagar o aluguer de um pequeno estúdio.

Apesar desta ajuda, vivia na miséria, sem dinheiro para revelar as fotos que tirava. De certa forma viveu a tragédia de Beethoven, cuja surdez na parte final da vida o impediu de ouvir as suas composições. Muitas das fotos de Maier também permaneceram encerradas na sua cabeça.

Os pormenores da sua vida são tão escassos que não se sabe bem o que lhe aconteceu a partir da década de 90. Teriam os seus afilhados desistido de ajudar a pagar a renda? A investigação continua. Um documentário sobre a sua vida encontra-se agora em fase de pré-produção. O que se sabe é que, em 2007, todos os seus negativos foram confiscados para cobrir rendas em atraso. Acabou por morrer dois anos depois, a 21 de Abril de 2009, aos 83.

 
 

276 euros por uma vida inteira

Vivian Maier
22 de Agosto de 1956, local não assinalado

 

Vivian Maier
Sem título, data ou local assinalados
 
 
Vivian Maier
Janeiro de 1956, Chicago

 

O seu espólio foi descoberto quando os negativos foram leiloados e comprados por John Maloof, um agente imobiliário de 29 anos que se interessou pelos rolos quando descobriu que continham fotografias de cenas da vida quotidiana de Chicago. Maloof e um amigo estavam a recolher material fotográfico vintage que documentasse a história do emblemático parque da cidade, o Portage Park.

Maloof pagou 400 dólares, pouco mais de 276 euros.

O agente imobiliário não encontrou qualquer foto do parque no espólio de Maier e, «sem perceber nada de fotografia de rua», viu-se com milhares de negativos e sem saber o que lhes fazer. Digitalizou algumas fotos, abriu um blogue, mas passou despercebido. A 9 de Outubro de 2009 resolveu pedir ajuda no Flickr, na página de um grupo chamado Hardcore Street Photography.

Depois de explicar que estava na posse de uma quantidade gigantesca de negativos, escreveu o seguinte: «Acho que a minha questão é esta, que faço eu com isto? Vejam as fotos no meu blogue. Será isto material digno de exposições ou de um livro? Ou este tipo de trabalhos surge com frequência? Gostava realmente que me orientassem».

Vale a pena seguir o link e ler todos os comentários que despoletou.

E foi assim que o mundo finalmente descobriu um dos segredos mais bem guardados da street photography. As fotos de Vivian Maier foram exibidas no Centro Cultural de Chicago, com um sucesso estrondoso, tendo em conta também a peculiar história do seu espólio e o mistério da fotógrafa; o livro já foi publicado e um documentário está a caminho.

 

As fotos que aqui estão são uma ínfima parte da sua arte. A coleção na sua página oficial, com centenas delas, incluindo 40 auto-retratos, continua a ser uma pequena parte do seu espólio. Maier deixou uma vida inteira por revelar.

 

Vivian Maier
Nova Iorque, data não-assinalada

 

Vivian Maier
Sem título, data ou local assinalados

 

Vivian Maier
Emmett Kelly, artista de circo, criador do palhaço Weary Willie, inspirado na Grande Depressão

 

via bitaites

Vivian Maier no Artsy

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